As sociedades científicas nem sempre
têm ao seu dispor os instrumentos próprios para as observações e, no entanto,
não deixam de encontrar assuntos de discussão. À falta de poetas e de oradores,
as sociedades literárias lêem e comentam as obras dos autores antigos e
modernos. As sociedades religiosas meditam as Escrituras. As sociedades
espíritas devem fazer o mesmo e grande proveito tirarão daí para seu progresso,
instituindo conferências em que seja lido e comentado tudo o que diga respeito
ao Espiritismo, pró ou contra. Dessa discussão, a que cada um dará o tributo de
suas reflexões, saem raios de luz que passam despercebidos numa leitura
individual.
A par das obras especiais, os jornais formigam de fatos, de narrativas, de
acontecimentos, de rasgos de virtudes ou de vícios, que levantam graves
problemas morais, cuja solução só o Espiritismo pode apresentar, constituindo
isso ainda um meio de se provar que ele se prende a todos os ramos da ordem
social.
Garantimos que a uma sociedade
espírita, cujos trabalhos se mostrassem organizador nesse sentido, munida ela
dos materiais necessários a executá-los, não sobraria tempo bastante para
consagrar às comunicações diretas dos Espíritos. Daí o chamarmos para esse
ponto a atenção dos grupos realmente sérios, dos que mais cuidam de
instruir-se, do que de achar um passatempo.
(Allan Kardec, O Livro dos Médiuns, Cap. XXIX, item 347)
No início do século XXI – a Era do Espírito –, mais que nunca, frente aos
apelos das fontes de informação e da ciência, vêm se emoldurando novas e
arrojadas concepções sobre todos os assuntos, especialmente, o Espírito. O
interesse nessa questão vem envolvendo estetas, cineastas, escritores e
cientistas. Trazem à baila as temáticas espiritualistas e espíritas recheadas
de misticismo e do sobrenatural, abolindo a lógica e convencendo pelo drama e
pelas crendices, com fantasias que ainda agradam a infantilidade humana.
Torna-se, então, muito oportuno que incitemos um repensar na metodologia de
ensino e aprendizagem nas instituições doutrinárias, a fim de que o
conhecimento seja levado para o campo da sensatez e da contextualização, sem os
aparatos dos quais precisamos ir dispensando.
Não basta saber muito, é preciso aferir se o que sabemos sobre o Espiritismo
está tornando-nos melhores: menos místicos, mais sensatos; menos egoístas, mais
bondosos; menos ritualistas, mais fervorosos; menos ortodoxos, mais
progressistas; menos materialistas, mais amorosos...
O diálogo aberto que insere o questionamento fraterno é a tônica didática que
carecemos no momento. A aceitação tácita e passiva é uma postura pedagógica
incompatível com o dinamismo da proposta educacional do Espiritismo. A relação
professor-aluno deverá, quanto possível, ser substituída pela forma dialogal,
sinérgica, parceira. A pesquisa, o estudo, a utilização das modernas mídias, as
dinâmicas de grupo tão atuais, o trabalho em equipe são campos didáticos que
oportunizam o debate, a participação pró-ativa e o intercâmbio.
Diálogos Espíritas deve ser um evento permanente, coordenado por facilitadores
do ato de pensar, jamais por “expositor de respostas prontas”. O diálogo é a
pedagogia do Espírito, porque com ele ensejamos o construtivismo em que cada
qual trabalha com seus conteúdos e sentidos, sob a orientação de um facilitador
mais experimentado e de boa vontade. Uma didática construtivista,
questionadora, em que o membro componente de um sistema não poderá ser apenas
um elemento passivo, mas, sim, um agente transformador e integrante de um
processo educacional dinâmico que excita o raciocínio, problematiza princípios
e opera mudanças éticas. A concepção de um novo modelo pedagógico, para nossas
células doutrinárias, é um motivo para urgentes reflexões em favor da causa que
abraçamos. O melhor recurso de estudo é o trabalho em grupos, voltados à
construção do conhecimento, o qual vem da experiência do fazer, que por sua vez
é a vivência de cada qual cooperando com o entendimento de todos.
Temas dos quais guardamos muitas certezas são os mais recomendados para o
diálogo, pois os temas polêmicos já são muito debatidos, embora nada nos impeça
de revê-los. Nem sempre nossas certezas advêm da fé raciocinada, portanto,
abalar nossas certezas é caminho para crescimento, para a aquisição de
convicções sólidas, aprovadas pela razão e assimiladas pelo sentimento, a fim
de não as abandonarmos nos momentos de prova e dor.
A convivência nos Diálogos Espíritas exigirá tolerância e respeito às
diferenças para a aquisição da compreensão.
É fundamental abalar nossas certezas de concepções e abrirmo-nos a análises
imparciais, acerca de outras vertentes de conhecimento e informação sobre a
diversidade dos assuntos da humanidade, criar pontes de saber entre a cultura
espírita e os valores do saber acadêmico, científico e filosófico. Entre nós, nas
salas de estudos espíritas, cabe-nos favorecer a dúvida, a consulta, o salutar
hábito de discordar sem tornar-se antipático. Aprender a discordar. Discordar
com amor, eis o desafio. Discordar com embasamento, eis o dever.
Princípios
Não há uma entidade espiritual, uma organização humana, um médium ou uma fonte
de instrução que não possa ser discutida, redargüida e melhorada. Suprimindo o
clima de desrespeito, tudo pode e deve ser repensado com fins enobrecedores.
(Cícero Pereira, Unidos pelo amor, p. 176)
O princípio básico dos Diálogos Espíritas é o de que, nada sendo perfeito, tudo
pode ser melhorado para ter mais utilidade, permitindo aos debatedores
expressarem-se com idéias mais arejadas frente ao relativismo universal, e mais
apropriadas à sua segurança e necessidade individual.
Diálogos Espíritas devem ser éticos, frutíferos e funcionais.
* Sua ética, a fraternidade.
* Seus frutos, sensatos.
* Sua função, o crescimento pessoal.
Educar-se para pensar sob uma perspectiva espiritualizante é um desafio de rara
oportunidade. Mais significativo que colecionar respostas é aprender a
investigar pedagogicamente, filosofar para crescer.
Objetivos
A beleza da reunião de pessoas está em não ter a obrigatoriedade de ser igual,
todavia, apenas ser.
(Ivone do Amaral Pereira, Unidos pelo Amor, p. 198)
O objetivo maior de Diálogos
Espíritas deve ser a aquisição da sabedoria, diferente de acumular
conhecimentos e desenvolver a inteligência. Sábios são aqueles que colocam a
inteligência e a informação a serviço de sua melhoria integral e de quantos os
rodeiam. Pouco, aliás, nos valerá o debate cujo coração e emoções não sejam,
igualmente, parte integrante do processo. Ainda que tais emoções não estejam
ajustadas, não devemos temê-las, pois são integrantes do patrimônio moral do
nosso grupo debatedor e, como tais, devem ser trabalhadas sem máscaras e com
incondicional respeito e fraternidade.
Diálogos Espíritas pretende conduzir o aprofundamento e a liberdade das
discussões, proporcionalmente, ao nível de relacionamento que já tenham galgado
os membros do grupo. Quanto mais confiança e afinidade, mais possibilidade de
êxito. Não havendo essa conquista, será imperioso, pouco a pouco, investir na
saúde interpessoal dos conjuntos doutrinários, o que permitirá sempre maior
maleabilidade sem quaisquer incidentes indesejáveis. É preciso cristalinidade
de opiniões, porque se não opinarmos entre amigos que buscam o crescimento,
expondo sinceramente nossos sentimentos, os sufocaremos nos escaninhos
“secretos” da mente, podendo conflitos, dúvidas e problemas, com o tempo,
converterem-se em virulenta crise da razão, despertando sentimentos enfermiços
que inclinam para o desânimo, o isolacionismo e a deserção.
Diálogos Espíritas não tem metodologia centralizada e sim participativa,
levando à interiorização. Nos Diálogos Espíritas não haverá perdas, todos devem
ganhar. Ganha-se discernimento, experiência, visão, e enseja-se o urgentíssimo
espírito de equipe, sem o qual o êxito das atividades de uma agremiação
espírita está fadado a se guardar nos estreitos limites do imediatismo e das
relações autoritárias.
Diálogos Espíritas tem por objetivo o diálogo, a troca, o “abalar das
certezas”, a renovação e vitalização das concepções, a ampliação da visão sobre
temas da vida.
Diálogos Espíritas não é apenas um círculo de reuniões onde se filosofa e
estuda, mas um hábito mental de superar crendices sem fundamento, eximindo-nos
do “fanatismo pacífico” de cada dia, libertando-nos das cadeias dos raciocínios
comuns e aprendendo a construir uma seqüência de idéias afinadas com a lógica
de Deus, uma visão que escapa até mesmo de alguns padrões dogmatizados dentro
do próprio movimento espírita. Uma visão de eternidade.
Diálogos Espíritas não tem medo do novo; de duvidar, com o desejo de aprender.
Pretende “treinar a compreensão”; permitir o valor de todos em favor da busca
de cada individualidade.
Diálogos Espíritas pretende construir uma convivência fraterna entre os seus
participantes, aquela que educa e liberta. Pretende contribuir para a formação
da mentalidade alteritária e solidária, desafios de todos nós, trabalhadores da
Seara Bendita.
Diálogos Espíritas pretende promover preciosas aquisições pessoais, tais como:
1.
obter novos enfoques para temas supostamente esgotados;despertar o
interesse ao estudo, à pesquisa e ao intercâmbio social;
2.
ter motivação para desenvolver pesquisas;
3.
aprender a aprender;
4.
aprender a fazer;
5.
aprender a ser;
6.
aprender a viver juntos;
7.
aprender a dialogar e discordar de idéias sem sermos contra quem as
apresentam;
8.
promover descobertas, reciclagem;
9.
despertar interesse ao estudo, à pesquisa e ao intercâmbio, o desejo de
aprender e não o de convencer ou converter;
10.
aprender a tecer crítica, externar pontos de vista, arrolar
fundamentação teórica, ouvir “religiosamente” a opinião alheia;
11.
aprender a ouvir sem sentenciar juízos imediatos;
12.
debater, discordar “sem gostar menos”.
Quatro pilares da educação para o século 21
Diálogos Espíritas, como estratégia pedagógica,deve ser desenvolvido sob
a visão espírita associada aos Quatro pilares da educação para o século 21, que
fluem do Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para
o Século XXI, coordenada por Jacques Delors .
Os Quatro pilares da educação para o século 21 são a seguir resumidos,
adaptados para os propósitos de Diálogos Espíritas:
·
Aprender a conhecer – combinando uma cultura geral, suficientemente
vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de
matérias. O que também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das
oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida. Aprender
sempre, continuamente.
·
Aprender a fazer – a fim de adquirir, não somente uma qualificação
profissional mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa
apta a enfrentar numerosas situações. Mas também aprender a fazer, no âmbito
das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem às pessoas. Teoria
e prática juntas. Aprender a assimilar o fruto dos estudos e pesquisas em
benefício do desenvolvimento pessoal, da reforma íntima.
·
Aprender a ser – para melhor desenvolver a sua personalidade e estar à
altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e
de responsabilidade pessoal. Para isso, não negligenciar na educação nenhuma
das potencialidades inatas de cada espírito, encarnado ou desencarnado: ética,
memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para
comunicar-se, generosidade, fraternidade.
·
Aprender a viver juntos – desenvolvendo a compreensão do outro e a
percepção das interdependências – realizar projetos comuns e preparar-se para
gerir conflitos – no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua
e da paz. Aprender a trabalhar em equipe. Aprender a ser alteritário(a) e
altruísta.
Quando e onde
As instituições espíritas podem – e devem – realizar Diálogos Espíritas, em
suas dependências, de acordo com as suas disponibilidades, usando espaços
ociosos e pessoas de boa vontade que tenham formação espírita e mente aberta
para o novo, o inovador, o contraditório, a criatividade.
Diálogos Espíritas podem, também, ser realizados por grupos de espíritas, fora
do centro espírita, a fim de possibilitar a participação de pessoas não
espíritas que se interessem pelos temas em debate.
A periodicidade pode ser semanal, quinzenal ou mensal, dependendo da
disponibilidade das pessoas envolvidas no projeto. Recomenda-se que as reuniões
tenham, no máximo, noventa minutos de duração, com hora certa para início e
término.
Os livros Atitude de Amor, Seara Bendita, Unidos pelo Amor e outros
psicografados por Wanderley Soares de Oliveira e por outros médiuns,
sintonizados com a fase de amadurecimento do Espiritismo, devem servir de
inspiração para os temas para os Diálogos Espíritas, tendo os livros da
Codificação como base.
Bibliografia
DUFAUX, Ermance de La Jonchére e
PEREIRA, Cícero. Unidos pelo Amor. Psicografia de Wanderley Soares de Oliveira.
Belo Horizonte: Inede, 2004.
EDUCAÇÃO: um tesouro a descobrir. São
Paulo: Cortez; Brasília: MEC/Unesco, 2006.
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns.
Tradução de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira,
2005.
MORIN, Edgar. Os sete saberes
necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 2007.
O organizador do projeto e do texto é
Celso da Costa Frauches, espírita e consultor sênior do ILAPE / Instituto
Latino-Americano de Planejamento Educacional – www.ilape.edu.br –, Brasília, DF.
A proposta de Diálogos Espíritas e toda a sua fundamentação fluem dos
textos de Cícero Pereira, ditados ao médium Wanderley Soares de Oliveira e
publicados no livro Unidos pelo Amor, editados pelo
Inede em 2004, em Belo Horizonte. Na maioria dos parágrafos a transcrição é
quase integral.
O Relatório está publicado em forma
de livro, no Brasil, com o título Educação: Um Tesouro a Descobrir, UNESCO,
MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999.