Na Revue Spirite, de novembro de 1861, Allan Kardec relata aos
leitores sobre a queima dos livros espíritas, que ficou conhecido como o
auto-de-fé de Barcelona. Ele escreve na revista que lhe foi narrado o
seguinte: “Este dia, nove de outubro de mil oitocentos e sessenta e um, às dez
horas e meia da manhã, sobre a esplanada da cidade de Barcelona, no lugar onde
são executados os criminosos condenados ao último suplício, e por ordem do
bispo desta cidade, foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o
Espiritismo, a saber: A Revista Espírita, diretor
Allan Kardec; A Revista Espiritualista, diretor Piérard; O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec; O Livro dos Médiuns, pelo mesmo; O que é o Espiritismo, pelo mesmo; Fragmento de sonata, ditado pelo Espírito de Mozart; Carta de um católico sobre o
Espiritismo, pelo
doutor Grand; A História de Jeanne d'Arc, ditada por ela mesma à Srta. Ermance
Dufau; A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita direta, pelo barão de Guldenstubbé.”
Assistiram ao auto-de-fé um padre revestido das roupas
sacerdotais, trazendo a cruz numa mão e a tocha na outra mão; um notário
encarregado de redigir a ata do auto-de-fé; o escrevente do notário; um
empregado superior da administração da alfândega e três moços (serventes) da
alfândega, encarregados de manter o fogo; um agente da alfândega representando
o proprietário das obras condenadas pelo bispo.”
Conta ainda que uma multidão inumerável encontrava-se sobre os
passeios e cobria a imensa esplanada onde se elevava a fogueira. Quando o fogo
consumiu os trezentos volumes ou brochuras Espíritas, o padre e seus ajudantes
se retiraram, cobertos pelas vaias e as maldições dos numerosos assistentes que
gritavam: Abaixo a inquisição!
Numerosas pessoas, em seguida, se aproximaram da fogueira, e
recolheram as suas cinzas.
Kardec recebeu uma parte dessas cinzas e com elas se encontrava um
fragmento de O Livro dos Espíritos consumido
pela metade e narra que o conservou numa urna de cristal como um testemunho
autêntico desse ato insensato. Zeus Wantuil, no artigo Centenário de um
auto-de-fé, em Reformador de 1961, pág.217/21, informa que a urna foi destruída
pelos nazistas na 1ª Grande Guerra.
A História conta que havia dois tipos de auto-de-fé, os públicos e
os privados. Essa expressão diz respeito a uma espécie de ritual de penitência
pública, ou humilhação de heréticos, utilizado na inquisição. Portugal e
Espanha foram os países que mais adotou essa prática. Em 1481 , em Sevilha,
pela primeira vez, foram executados seis homens e mulheres; em 1540, na cidade
de Lisboa, em Portugal. Em outros países, inclusive no continente americano
tem-se notícias de auto-de-fé. No caso dos espíritas, queimaram-se-lhe os
livros na pretensão de queimar as idéias espíritas.
Em Obras Póstumas , na 2ª. parte, encontramos dois relatos. O
primeiro datado de 21 de setembro de 1861, quando Kardec tomou conhecimento da
apreensão dos referidos livros e o Espírito Verdade, por meio do médium Sr. d’A...lhe
disse que se quisesse, por direito, poderia reclamá-los e que conseguiria lhe
fossem restituídos os livros, dirigindo-se ao Ministro de Estrangeiros da
França, mas, que segundo seu parecer, desse auto-de-fé resultaria maior bem do
que o que adviria da leitura dos volumes. Acrescentou ainda que, a queima dos
livros determinará uma grande expansão das idéias espíritas e uma procura
imensa das obras dessa doutrina. E foi o que, de fato, aconteceu nos anos
seguintes.
Os principais jornais da Espanha deram a notícia de forma
minuciosa, com ecos na Europa e em diversas partes do mundo. Assim, na Espanha,
não obstante as dificuldades ocorridas nos anos e décadas seguintes, foram
fundados 14 periódicos, 15 na América Latina, 46 na Europa continental em mais
de dez idiomas, dois na África, dois na Ásia e um na Oceania, que somados os de
origem britânica e norte-americanos chegaram a mais de uma centena de
publicações independentes, escreve Florentino Barrera, no seu livro Auto-de-Fé
de Barcelona, editado na Argentina, em 1984, traduzido para o português e
publicado, em 2007, pelo Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do
Espiritismo Eduardo Carvalho Monteiro, de São Paulo-SP (www.ccdpe.org.br).
Kardec noticia na Revista Espírita, de agosto de 1862, que o Bispo
que mandou queimar os livros espíritas, desencarnou no dia nove de agosto
daquele ano, ou seja, um pouco mais de 9 meses após e dá uma comunicação
espontânea por um dos médiuns, à Kardec, respondendo-lhe as perguntas que tinha
preparado mas que não necessitou fazê-las porque o bispo se antecipa. Ele diz:
"Orai por mim; orai, porque ela é agradável a Deus, a prece que lhe dirige
o perseguido pelo perseguidor e termina dizendo "Aquele que foi bispo e
que não é mais que um penitente."
(artigo originariamente publicado no jornal
Dirigente Espírita n°125, setembro/outubro 2011, da USE)
Júlia Nezu (São
Paulo/SP)
Espírita desde a década de 70, advogada,
palestrante, divulgadora e articulista da imprensa espírita, fala sobre sua
vida e sua atuação no Movimento Espírita em várias frentes de trabalho, é a 1ª
vice-presidente da USE - União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo.
Ministra há diversos anos cursos e palestras sobre o espiritismo em todo o
Brasil.
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