As Dores da Alma
Francisco do Espírito Santo Neto
Pelo espírito Hammed
Não é coerente que cada um de nós trabalhe para alcançar a própria
felicidade? Não é lógico que devemos nos responsabilizar apenas por nossos
atos? Não nos afirma a sabedoria do Evangelho que seríamos conhecidos,
exclusivamente, pelas nossas obras?
Fazer os outros seguros e felizes é missão impossível de realizar,
se acreditarmos que depende unicamente de nós a plenitude de sua concretização.
Se assim admitimos, passamos, a partir de então, a esperar e a cobrar
retribuição; em outras palavras, a reciprocidade. Não seria mais fácil que cada
um de nós conquistasse sua felicidade para que depois pudesse desfrutá-la,
convivendo com alguém que também a conquistou por si mesmo? Qual a razão de a
ofertarmos aos outros e, por sua vez, os outros a concederem a nós? Por certo,
só podemos ensinar ou partilhar o que aprendemos.
Assim disse Pedra, o apóstolo: “Não tenho ouro nem prata; mas o
que tenho, isso te dou.” ([1])
Dessa maneira, vivemos constantemente colocando nossas
necessidades em segundo plano e, ao mesmo tempo, nos esquecendo de que a maior
de todas as responsabilidades é aquela que temos para com nós mesmos.
Os acontecimentos exteriores de nossa vida são o resultado direto
de nossas atitudes internas. A princípio, podemos relutar para assimilar e
entender esse conceito, porque é melhor continuarmos a acreditar que somos
vítimas indefesas de forças que não estão sob o nosso controle. Efetivamente,
somos nós mesmos que fazemos os nossos caminhos e depois os denominamos de fatalidade.
“Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme ao sentido
que se dá a este vocábulo? (...) são predeterminados? E, neste caso, que vem a
ser do livre-arbítrio?”, pergunta Kardec aos Semeadores da Nova Revelação. E
eles respondem: “A fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espírito
fez, ao encarnar (...) Escolhendo-a, instituiu para si uma espécie de
destino...” ([2])
É inevitável para todos nós o fato de que vivemos, invariavelmente,
escolhendo. A condição primordial do livre-arbítrio é a escolha e, para que
possamos viver, toma-se indispensável escolher sempre. Nossa existência se faz
através de um processo interminável de escolhas sucessivas.
Eis aqui um fato incontestável da vida: o amadurecimento do ser
humano inicia-se quando cessam suas acusações ao mundo.
Entretanto, há indivíduos que se julgam perseguidos por um destino
cruel e censuram tudo e todos, menos eles mesmos. Recusam, sistematicamente, a
responsabilidade por suas desventuras, atribuindo a culpa às circunstâncias e
às pessoas, bem como não reconhecem a conexão existente entre os fatos
exteriores e seu comportamento mental. No íntimo, essas pessoas não definiram
limites em seu mundo interior e vivem num verdadeiro emaranhado de energias
desconexas. Os limites nascem das nossas decisões profundas sobre o que
acreditamos ser nossos direitos pessoais.
Nossas demarcações estabelecem nosso próprio território, cercam
nossas forças vitais e determinam as linhas divisórias de nosso ser individual.
Há um espaço delimitado onde nós terminamos e os outros começam.
Algumas criaturas aprenderam, desde a infância, o senso dos
limites com pais amadurecidos. Isso os mantém firmes e saudáveis dentro de si
mesmas. Outras, porém, não. Quando atingiram a fase adulta, não sabiam como
distinguir quais são e quais não são suas responsabilidades. Muitas construíram
muros de isolamento que as separaram do crescimento e da realização interior,
ou ainda paredes com enormes cavidades que as tomaram suscetíveis a urna
confusão de suas emoções com as de outras pessoas.
Limites são o portal dos bons relacionamentos. Têm como objetivo
nos tomar firmes e conscientes de nós mesmos, a fim de sermos capazes de nos
aproximar dos outros sem sufocá-los ou desrespeitá-los. Visam também evitar que
sejamos constrangidos a não confiar em nós mesmos.
Ser responsável implica ter a determinação para responder pelas
consequências das atitudes adotadas.
Ser responsável é assumir as experiências pessoais, para atingir
uma real compreensão dos acertos e dos desenganos.
Ser responsável é decidir por si mesmo para onde ir e descobrir a
razão do próprio querer.
Não existem “vítimas da fatalidade”; nós é que somos os promotores
do nosso destino. Somos a causa dos efeitos que ocorrem em nossa existência.
Aceitar o princípio da responsabilidade individual e estabelecer
limites descomplica nossa vida, tomando-nos cada vez mais conscientes de tudo o
que acontece ao nosso derredor.
Escolhendo com responsabilidade e sabedoria, poderemos transmutar,
sem exceção, as amarguras em que vivemos na atualidade. A auto-responsabilidade
nos proporcionará a dádiva de reconhecer que qualquer mudança de rota no
itinerário de nossa “viagem cósmica” dependerá, invariavelmente, de nós.
Nosso modo de pensar atrai nossas experiências, pois pensar é um
contínuo ato de escolher. Evitar não pensar é também uma escolha; portanto,
somos nós que fabricamos as fibras que confeccionarão a textura da nossa
existência.
Quando selecionamos um determinado comportamento, cujo resultado é
possível prever, estamos também escolhendo esse mesmo resultado e, obviamente,
devemos aceitar a responsabilidade de tal fato.
Somos responsáveis pela maneira como nos relacionamos com as
pessoas, isto é, cônjuges, filhos, parentes, amigos e conhecidos, porque,
certamente, ninguém nos obriga a agir desta ou daquela forma, mas, se assim
acontecer, é porque nós mesmos cedemos diante da exigência dos outros.
Considerando que nossas atitudes são como grãos de areia, o
repetindo-as, com certa regularidade, criaremos pequenos montes. Tudo se inicia
com diminutos grãos de areia. Inicialmente, formam uma colina, logo depois, um
morro e, com a constante repetição dessas mesmas atitudes, erguem-se enormes
montanhas e, finalmente, uma cordilheira.
Somos responsáveis por tudo o que experimentamos em nós mesmos;
enfim, criamos nossa própria realidade.
“Pode o homem, pela sua vontade e por seus atos, fazer que não se
deem acontecimentos que deveriam verificar-se e reciprocamente? Pode-o, se essa
aparente mudança na ordem dos fatos tiver cabimento na sequência da vida que
ele escolheu...” ([3])
Assim sendo, os Espíritos Sábios afirmam que a mudança de nosso
destino somente ocorre quando, realmente, assumimos a responsabilidade por
nossa vida, usando de determinação e vontade. Essa transformação, entretanto,
não é realizada de um momento para o outro, ou mesmo, não se trata de um
simples querer caprichoso; em verdade, é o produto de uma sequência de escolhas
ao longo de inumeráveis experiências e acontecimentos.
O indivíduo que não aceita a responsabilidade por seus atos e,
constantemente, cria álibis e recorre a dissimulações, culpando os outros, é
denominado imaturo.
O homem adulto se caracteriza pelo fato de que ele próprio
delimita seu código de conduta moral, já alcançou um certo grau de
independência interior e faz seus julgamentos baseado em sua autonomia.
Os amadurecidos atingiram um bom nível de relacionamento consigo
mesmos e, consequentemente, com os outros; por isso, resolvem facilmente tanto
os conflitos internos como os externos. Dessa maneira, assumem as
responsabilidades que lhes competem e estão despertos para a realidade.
A fase primordial da vida se inicia na total inconsciência e, a
partir de então, o princípio inteligente progride de maneira gradativa e
constante rumo a uma cada vez maior consciência de si, isto é, à crescente
iluminação de suas faculdades e atividades íntimas. As criaturas começam a
notar primeiramente os princípios que lhes parecem vir de fora e, depois, no
decorrer de seu progresso espiritual, percebem que tudo se encontra em sua
intimidade. Não é o mundo que se transforma; o que acontece é que elas mudam de
níveis de consciência, alterando o mundo em si mesmas.
Em virtude disso, o emérito pensador e escritor espírita Léon
Denis resumiu e estruturou, de modo coerente e homogêneo, que o psiquismo dorme
no mineral, sonha no vegetal, sente no animal, pensa no hominal e, por fim,
atinge vasta habilidade intuitiva na fase angelical, dando prosseguimento a seu
processo evolutivo pelo universo infinito.
A proposta do “despertar” das almas é antiquíssima e é encontrada
em diversas passagens do Novo Testamento. O apóstolo Paulo, o incomparável
divulgador da Boa Nova, escrevendo aos Efésios, no capítulo V; versículo 14,
assim se reporta: “Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos...” ([4])
Despertar, entretanto, é condição inadiável para que atinjamos as
verdades transcendentes, reavivando em nós a consciência para os objetivos
essenciais da eternidade.
Todos os esforços da criatura servem a um único objetivo: torná-la
mais consciente, isto é, ampliar o seu próprio modo de ver as coisas. Não nos
esqueçamos, pois, de que a evolução de nossas almas nada cria de novo; o que
ela faz é melhorar, progressivamente, nossa visão sobre aquilo que sempre
existiu.
Sobre essa questão, os Espíritos Superiores asseveram, com muita
sabedoria, que a alteração no rumo dos acontecimentos, provocada pelo homem,
pode dar-se “... se essa aparente mudança na ordem dos fatos tiver cabimento na
sequência da vida que ele escolheu...”. Portanto, não poderá haver maturidade
vivencial sem que o indivíduo se conscientize plenamente de seu livre-arbítrio
e de que tudo o que sofre, goza, percebe e experimenta nada mais é do que o
reflexo de si mesmo.
[1] Atos 3:6
[2] Questão 851 – Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida, conforme ao sentido que
se dá a este vocábulo? Quer dizer: todos os acontecimentos são predeterminados?
E, neste caso, que vem a ser do livre-arbítrio?
“A fatalidade existe unicamente pela escolha que
o Espírito fez, ao encarnar; desta ou daquela prova para sofrer. Escolhendo-a,
instituiu para si uma espécie de destino, que é a consequência mesma da posição
em que vem a achar-se colocado. Falo das provas físicas, pois, pelo que toca às
provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto
ao bem e ao mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir. Ao vê-lo fraquejar,
um bom Espírito pode vir-lhe em auxílio, mas não pode influir sobre ele de
maneira a dominar-lhe a vontade. Um Espírito mau, isto é, inferior;
mostrando-lhe, exagerando aos seus olhos um perigo físico, o poderá abalar e
amedrontar. Nem por isso, entretanto, a vontade do Espírito encarnado deixa de
se conservar livre de quaisquer peijas.”
[3] Questão 860 –
Pode o homem, pela sua vontade e por seus atos, fazer que se não deem
acontecimentos que deveriam verificar-se e reciprocamente?
“Pode-o, se essa aparente mudança na ordem dos fatos
tiver cabimento na sequência da vida que ele escolheu. Acresce que, para fazer
o bem, como lhe cumpre, pois que isso constitui o objetivo único da vida,
facultado lhe é impedir o mal, sobretudo aquele que possa concorrer para a
produção de um mal major.”
[4] Efésios 5:14
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