As Dores da Alma
Francisco do Espírito Santo Neto
Pelo espírito Hammed
A criatura humana modela suas reações emocionais através dos
critérios dos outros, estabelecendo para si própria metas ilusórias na vida.
Esquece-se, entretanto, de que suas experiências são únicas, como também únicas
são suas reações, e de que o constante estado de desencontro e aflição é
subproduto das tentativas de concretizar essas suas irrealidades.
Constantemente, criamos fantasias em nossa mente, bloqueamos nossa
consciência e recusamos aceitar a verdade. Usamos os mais diversos mecanismos
de defesa, seja de forma consciente, seja de forma inconsciente, para evitar ou
reduzir os eventos, as coisas ou os fatos de nossa vida que nos são
inadmissíveis. A “negação” é um desses mecanismos psicológicos; ela aparece
como primeira reação diante de uma perda ou de uma derrota. Portanto, negamos,
invariavelmente, a fim de amortecer nossa alma das sobrecargas emocionais.
Quanto mais sonhos ilógicos, mais cresce a luta para
materializá-los, levando certamente os indivíduos a se tornarem prisioneiros de
um círculo vicioso e, como resultado, a sofrerem constantes frustrações e uma
decepção crônica.
Um exemplo clássico de ilusão é a tendência exagerada de certas
pessoas em querer fazer tudo com perfeição, aliás, querer ser o “modelo
perfeito”. Essa abstração ilusória as coloca em situação desesperadora.
Trata-se de um processo neurótico que faz com que elas assimilem cada manifestação
de contrariedade dos outros como um sinal do seu fracasso e a interpretem como
uma rejeição pessoal.
O ser humano supercrítico tem uma necessidade compulsória de ser
considerado irrepreensível. Sua incapacidade de aceitar os outros como são é
reflexo de sua incapacidade de aceitar a si próprio. Sua busca doentia da
perfeição é uma projeção de suas próprias exigências internas. O perfeccionismo
é, por certo, a mais comum das ilusões e, inquestionavelmente, uma das mais
catastróficas, quando interfere nos relacionamentos humanos. Uma pessoa
perfeita exigirá apenas companheiros perfeitos.
A sensação de que podemos controlar a vida de parentes e amigos
também é uma das mais frequentes ilusões e, nem sempre, é fácil diferenciar a
ilusão de controlar e a realidade de amar e compreender.
A ação de controlar os outros se transforma, com o passar do
tempo, em um nó que estrangula, lentamente, as mais queridas afeições. Se
continuarmos a manter essa atitude manipuladora, veremos em breve se extinguir
o amor dos que convivem conosco. Eles poderão permanecer ao nosso lado por
fidelidade, jamais por carinho e prazer.
Em outras circunstâncias, agimos com segundas intenções,
envolvendo criaturas que nos parecem trazer vantagens imediatas. Em nossos
devaneios e quimeras, achamos que conseguiremos lograr êxito, mas, como sempre,
todo plano oportunista, mais cedo ou mais tarde, será descoberto. Quando isso
acontece, indignamo-nos, incoerentemente, contra a pessoa e não contra a nossa
auto-ilusão.
Escolhemos amizades inadequadas, não analisamos suas limitações e
possibilidades de doação, afeto e sinceridade e, quando recebemos a pedra da
ingratidão e da traição por parte deles, culpamo-los. Certamente, esquecemo-nos
de que somos nós mesmos que nos iludimos, por querer que as criaturas deem o
que não podem e que ajam como imaginamos que devam agir.
Gostamos de alguém imensamente e alimentamos a ideia de
que esse mesmo alguém pudesse corresponder ao nosso amor e, assim, criamos
sonhos românticos entre fantasias e irrealidades.
As histórias infantis sobre príncipes encantados socorrendo lindas
donzelas em perigo são úteis e benéficas, desde que não se transformem em
ilusórias bases da existência. Elas podem incitar os delírios de uma espera
inatingível em que somente um “príncipe de verdade” tem o privilégio de merecer
uma” princesa disfarçada”, ou vice-versa.
A consciência humana está quase sempre envolvida por ilusões, que
impossibilitam, por um lado, a capacidade de autopercepção; por outro,
dificultam o contato com a realidade das coisas e pessoas.
Não culpemos ninguém pelos nossos desacertos, pois somos os únicos
responsáveis — cada um de nós — pela qualidade de vida que experimentamos aqui
e agora.
“O sentimento de justiça está em a Natureza (...) o progresso
moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus opôs no coração do
homem...” ([1])
Procuremos auscultar nossas percepções interiores, usando nossos
sentidos mais profundos e observando o que nos mostram as leis naturais
estabelecidas em nossa consciência. Confiar no sentimento de justiça que sai do
coração, conforme asseveram os Guias da Humanidade, é promover a independência
de nossos pensamentos e viver com senso de realidade. Aliás, são essas as características
mais importantes das pessoas espiritualmente maduras.
Estamos na Terra para estabelecer uma linha divisória entre a
sanidade e a debilidade; portanto, é imprescindível discernir o que queremos
forçar que seja realidade daquilo que verdadeiramente é realidade. Muitas
vezes, podemos estar nos iludindo a ponto de negar fatos preciosos que nos ajudariam
a perceber a grandiosidade da Vida Providencial trabalhando em favor de nosso
desenvolvimento integral.
As ilusões que criamos servem-nos, de certa forma, de defesas
contra nossas realidades amargas. Embora possam, por um lado, nos poupar das
dores momentaneamente, por outro, nos tornam prisioneiros da irrealidade. Para
possuir uma mente sã, é preciso que tenhamos a capacidade de aceitação da
realidade, jamais fugindo dela.
Muitos de nós conservam a ilusão de que a posse material
proporciona a felicidade; de que o poder e a fama garantem o amor; de que a
força bruta lhes protegerá de uma possível agressão; e de que a prática sexual
lhes daria uma integral gratificação na vida. Quase sempre, desenvolvemos essas
ilusões na infância com nossos pais, professores, outros parentes, como sendo
reais ensinamentos, quando, em verdade, não passam de crenças distorcidas de
indivíduos que tinham o dinheiro e o sexo como divindades supremas.
Mesmo quando crescidos e maduros, sentimos medo de abandoná-las.
Não será fácil renunciarmos a essas ilusões, se não nos conscientizarmos de que
a alegria e o sofrimento não estão nos fatos e nas coisas da vida, mas sim na
forma como a mente os percebe. Enquanto usarmos nossa mente, sem que ela esteja
ligada a nossos sentidos mais profundos, ficaremos agarrados a esses valores
ilusórios.
Às vezes, na denominada educação ou norma social, assimilamos as
ilusões dos outros como sendo realidades. Aprendemos, desde a mais tenra idade,
que certas emoções são ruins, enquanto outras são boas. Importa considerar, no
entanto, que as emoções são amorais e que senti-las é muito diferente do agir
com base nelas, eis quando passam a ser uma questão moral/social.
“Os costumes sociais não obrigam muitas vezes o homem a enveredar
por um caminho de preferência a outro (...) O que se chama respeito humano não
constitui óbice ao exercício do livre-arbítrio (...) São os homens e não Deus
quem faz os costumes sociais. Se eles a estes se submetem, é porque lhes
convêm. Tal submissão, portanto, representa um ato de livre-arbítrio (...)” ([2])
Colocar restrições às emoções é como querer segurar as ondas do
mar, enquanto colocar restrições ao comportamento humano é perfeitamente
possível e válido. São os comportamentos adequados que promovem o bem-estar dos
grupos sociais e, inquestionavelmente, são necessários à harmonia da
comunidade.
As emoções são simplesmente emoções. É importantíssimo aprendermos
a perdoar e sermos compreensivos, desde que façamos isso agindo por livre
escolha, não por medo ou por autonegação emocional. Na maioria dos casos, damos
a outra face, não por uma capacidade de livre expressão e consciência, mas
usando falsas atitudes de compreensão e espontaneidade.
Para que nossos atos e comportamentos sejam verdadeiros, as
emoções devem ser percebidas como são e totalmente reconhecidas pela nossa
personalidade, a fim de que nossa expressão seja natural, fácil e apropriada às
situações.
Identificar uma emoção é diferente de suportá-la. Na
identificação, nós a reconhecemos e, a partir daí, agimos ou não; suportar a
emoção significa ignorá-la ou simplesmente tentar eliminá-la.
Censurar as emoções é ilusão; seria o mesmo que censurar a própria
Natureza. Habitualmente, os pais costumam repreender o filho dizendo que não
deveria ter raiva ou medo. Por certo, condenam as crianças por essas emoções e
as obrigam a escondê-las, porém eles não conseguem extirpá-las. Ao punirem seus
filhos, por estes expressarem suas emoções naturais, talvez não estejam usando
o melhor método educativo. Não seria melhor ensinar-lhes os códigos do bom
comportamento social, deixando que seu modo de ser flua com naturalidade e
equilíbrio, sem anular a personalidade ou torná-los submissos?
Todos os seres humanos nascem com reações emocionais. Encontramos
nos bebês emoções de raiva, quando estão impedidos de andar, pegar, brincar, ou
seja, movimentar-se livremente. Verificamos também emoções de medo, quando
ficam sem apoio, quando se sentem abandonados ou diante de barulhos fortes.
Na infância, se as emoções forem impedidas de se manifestar, irão
ocasionar sérios danos no desenvolvimento psicoemocional do adulto,
constituindo-se-lhe um obstáculo para atingir a auto-segurança.
A raiva ou o medo são emoções que proporcionam um certo “estado de
alerta”, que nos mantêm despertos. Sem eles, ficamos impotentes e não
conseguimos proteger nossa integridade física nem a psicológica das ameaças que
enfrentamos na vida. São eles que nos orientam para a defesa ou para a fuga em
situações de risco.
Obviamente, não estamos fazendo alusão às emoções patológicas e
irracionais, mas àquelas que, naturais, são essenciais ao crescimento e
desenvolvimento dos seres humanos.
Nossos sentidos são tudo o que temos para perceber os recados da
vida; contê-los seria o mesmo que destruir o elo com nossa intimidade. Não
sentir é viver em constante ilusão, distanciado do verdadeiro significado da
vida. A repressão das emoções inibe o ritmo e a pulsação interna, limita a
vitalidade e reduz a percepção. Quando reprimimos uma emoção, por certo
estaremos reprimindo muitas outras. Ao reprimirmos nossas emoções básicas (medo
e raiva), certamente estaremos reprimindo também as emoções da afetividade.
Infelizmente, não conseguiremos lidar com as dificuldades e encontrar soluções,
se perdermos o contato com as leis da Natureza, aliás criadas por Deus e que
nos regem a todos. É mais produtivo para a evolução das almas acreditar naquilo
que se sente do que nas palavras que se ouvem.
[1] Questão 873 – O sentimento de justiça está em a Natureza, ou é resultado de ideias
adquiridas?
“Está de tal modo em a Natureza, que vos
revoltais à simples ideia de uma injustiça. É fora de dúvida que o progresso
moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá. Deus o pôs no coração do homem.
Daí vem que, frequentemente, em homens simples e incultos se vos deparam noções
mais exatas de justiça do que nos que possuem grande cabedal de saber.”
[2] Questão 863 – Os costumes sociais não obrigam muitas vezes o homem a enveredar por
um caminho de preferência a outro e não se acha ele submetido à direção da
opinião geral, quanto à escolha de suas ocupações? O que se chama respeito
humano não constitui óbice ao exercício do livre-arbítrio?
“São os homens e não Deus quem faz os costumes
sociais. Se eles a estes se submetem, é porque lhes convêm. Tal submissão,
portanto, representa um ato de livre-arbítrio, pois que, se o quisessem,
poderiam libertar-se de semelhante jugo. Por que, então, se queixam?
Falece-lhes razão para acusarem os costumes sociais. A culpa de tudo devem
lançá-la ao tolo amor-próprio de que vivem cheios e que os faz preferirem
morrer de fome a infringi-los. Ninguém lhes leva em conta esse sacrifício feito
à opinião pública, ao passo que Deus lhes levará em conta o sacrifício que
fizerem de suas vaidades. Não quer isto dizer que o homem deva afrontar sem
necessidade aquela opinião, como fazem alguns em quem há mais originalidade do
que verdadeira filosofia. Tanto desatino há em procurar alguém ser apontado a
dedo, ou considerado animal curioso, quanto acerto em descer voluntariamente e
sem murmura!; desde que não possa manter-se no alto da escala.”
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