MEDICINA NÃO RECONHECE OBSESSÃO
Medicina não reconhece obsessão
Em termos
históricos sabe-se que a Medicina Ocidental como um todo e a Psiquiatria, em
particular, têm apresentado posturas de negligência ou oposição em relação à
religiosidade e à espiritualidade. A negligência se evidencia por desconsiderar
a importância desses dois aspectos em termos de saúde ou por se encontrarem à
margem do interesse principal. Por outro lado a oposição ocorre por se
acreditar que as diversas experiências ditas religiosas eram características
marcantes de psicopatologias das mais variadas. No entanto, diversos estudos
têm surgido apresentando associação positiva entre
religiosidade/espiritualidade e saúde. O destaque maior se direciona para os
transtornos mentais e de conduta, indicando que a religiosidade é fator
protetor para o suicídio, abuso de drogas e álcool, comportamento delinqüente,
sofrimento psicológico e alguns diagnósticos de psicoses funcionais. Também se
sabe que pacientes deprimidos os quais mantém algum vínculo religioso permanecem
menos tempo internados comparados aos não religiosos.
Atenta a esses
estudos a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem discutido, desde 1983 na
Assembléia Mundial de Saúde, a inclusão da dimensão “espiritual” no seu
clássico conceito de saúde. Dessa forma, saúde seria considerada “um estado
dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social e não
meramente a ausência de doença”. No entanto, o assunto permanece em discussão e
a OMS tem rejeitado a modificação do conceito já conhecido nas mais diversas
Assembléias que tem realizado desde então. Por outro lado, devido à importância
crescente a qual tem obtido a qualidade de vida como medida de avaliação de
resultados de tratamento médico a OMS desenvolveu o World Health Organization
Quality of Life (WHOQOL-100). Através de tal instrumento buscou-se, em primeiro
lugar, conceituar-se qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua
posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive
e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.
O WHOQOL-100
consiste em 100 perguntas referentes a seis domínios, entre os quais o domínio
“espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais”. A elaboração deste domínio
conta com a base conceitual de qualidade de vida transcrito acima e é descrita
como sendo a faceta a qual “examina as crenças da pessoa e como estas afetam a
qualidade de vida”. É importante salientar a ênfase dada aos termos “contexto
da cultura”, “sistema de valores” e “crenças da pessoa”. O construto
espiritualidade para a OMS apresenta o valor intrínseco para avaliação em saúde
e o quanto essa dimensão oferece ao indivíduo um referencial de significados
para enfrentar as suas dificuldades de doença. Com isso, conclui-se que a
espiritualidade não é considerada no seu valor ontológico com a aceitação de
uma realidade espiritual “imaterial”. Isso, diferente do que é indicado pela
Doutrina Espírita a qual considera o Espírito com um Ser real e admite o
intercâmbio com inteligências extracorpóreas, além da pluralidade das
existências.
Outro ponto a ser
considerado são os fenômenos psíquicos caracterizados, sobretudo por
experiências psicóticas e anômalas as quais são frequentes na população geral
sem indicar, necessariamente, transtornos psicóticos ou dissociativos de
caráter patológico. O diagnóstico diferencial entre tais experiências, em
especial as de conteúdo espiritual e religioso, e os transtornos mentais
citados é essencial para se evitar diagnósticos errôneos e iatrogenia. Nesse
ponto a OMS através da Classificação Internacional de Doenças (CID 10), assim
como da 4° Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da
Associação Americana de Psiquiatria, busca direcionar a atenção clínica com o
objetivo de justificar a avaliação de experiências religiosas e espirituais
vivenciadas em fenômenos de “transe e possessão” como parte constituinte da
investigação psiquiátrica sem, no entanto, caracterizá-las como
psicopatológicas. No entanto, tais manuais não tratam de
etiologia e, portanto, em hipótese alguma, cogitam a ação de seres
extracorpóreos sobre seres que sofrem tais experiências. Mais uma vez, a visão,
nesse sentido, obedece ao “contexto da cultura”, o “sistema de valores” e a
“crença da pessoa”. A Medicina, dessa forma, não reconhece a obsessão.
É inegável que a
Ciência dita oficial deve, sem dúvida alguma, abrir-se a novas hipóteses se
isentando de todo e qualquer preconceito. Aliás, são os preconceitos os quais
tem levado à idéia equivocada do materialismo como fato científico. Pode-se, no
máximo, afirmar que o materialismo é crença e é nela que têm se baseado teorias
reducionistas que por hora não tem encerrado o debate, por exemplo, da relação
mente-corpo. Porém, ainda existe uma enorme distância entre a compreensão do que
é a dimensão espiritual para a comunidade científica vigente e a maneira com a
qual é descortinada pela Doutrina Espírita. A “pobreza da linguagem humana”,
tal qual colocado de forma constante pelos Espíritos em “O Livro dos
Espíritos”, leva os indivíduos a se utilizarem de termos iguais para definirem
idéias diferentes. Haja vista os termos “espiritualidade”, “transe” e
“possessão” conforme transcrito acima. Kardec, em a Introdução do “Livro dos
Espíritos”, “Ao Estudo da Doutrina Espírita”, já alerta para a “confusão
inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras”. Tal confusão ocorre nos
mais diversos segmentos da sociedade e nas mais distintas culturas. No meio
científico não é diferente.
Mas, além disso
tudo, o Espiritualismo no seu sentido geral, caso não se baseie em sólidas
bases filosóficas e científicas também será visto como crença. Cabe aos ditos
espiritualistas sedimentar seus estudos através de pesquisas sérias e conceitos
os quais não sugiram confusão. Daí a necessidade de homogeneizar a linguagem e
somar conhecimentos para criar uma sólida integração entre Ciência e
Espiritualidade/Espiritismo. Isso, pois, ainda como colocado por Kardec no
texto supracitado, o fato dos espiritualistas se oporem ao materialismo não
significa que creiam na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o
chamado mundo invisível.
Referências bibliográficas
Referências bibliográficas
Kardec A 1857. Ao
Estudo da Doutrina Espírita – Introdução. O Livro dos Espíritos, 91° edição,
pg.15-16. FEB editora.
Fleck MPA 2000. O
instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde
(WHOQOL-100): características e perspectivas. Ciência & Saúde Coletiva,
5(1):33-38.
Fleck MPA et al.
2003. Desenvolvimento do WHOQOL, módulo espiritualidade, religiosidade e
crenças pessoais. Rev Saúde Pública, 37(4): 446-55.
Moreira-Almeida A, Cardeña E. 2011. Diagnóstico diferencial entre
experiências espirituais e psicóticas não patológicas e transtornos mentais:
uma contribuição de estudos latino-americanos para o CID-11. Revista Brasileira
de Psiquiatria, vol 33, Supl I.
http://www.amebrasil.org.br/2011/node/348
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