Círculo Parisiense de Estudos Espíritas
Raros documentos kardequianos, de alto valor histórico, são divulgados
pelo Conselho Espírita Internacional no IV Congresso
Espírita Mundial, em Paris, revelando novas e preciosas informações.
Por ocasião das merecidas comemorações do Bicentenário de Nascimento de
Allan Kardec, que teve seu ponto mais alto no IV Congresso Espírita
Mundial efetuado em Paris, promovido pelo CEI: Conselho
Espírita Internacional e realizado pela USFF: Union Spirite
Française et Francophone, de 2 a 5 de outubro de 2004, foram apresentados
ali alguns documentos inéditos e pessoais do insigne Codificador, que têm um
alto valor histórico e significativo.
Esses raros
documentos kardequianos fazem parte do extenso e rico acervo reunido pelo
estudioso escritor espiritista, o saudoso Dr. Sylvino Canuto Abreu (Taubaté/SP,
19/01/1892 – São Paulo/SP, 02/05/1980) que, por outra parte, ditou durante
o Congressouma comunicação em homenagem a Allan Kardec, através da
psicografia do médium Raul Teixeira (quem também recebeu uma mensagem
psicográfica do Espírito Gabriel Delanne). Registramos também que no
histórico 4º Congresso Mundial, o médium Divaldo Franco recebeu em
francês uma mensagem especular (psicografia invertida) do Espírito Léon Denis,
e pela via psicofônica ao Dr. Bezerra de Menezes.
Essas Cartas,
ainda inéditas, têm sido gentilmente cedidas pelo Instituto Canuto
Abreu ao CEI, cujo Secretário General, Dr. Nestor João Masotti (também
Presidente daFederação Espírita Brasileira), juntamente com o Primeiro
Secretario do CEI, Sr. Roger Perez (atual Presidente da USFF), as
divulgou generosamente no último Congresso Mundial, scanneando-as
com o objetivo de preservar esses raros e valiosos documentos. Os textos
manuscritos inéditos (que são sete), escritos por Kardec e pela sua querida
esposa Amélie-Gabrielle de Lacombe Boudet (Thiais [Sena], França,
23/11/1795 – Paris, 21/01/1883), são uma expressiva fonte de investigação
bibliográfica. A seguir transcrevemos o original francês escrito do próprio
punho do mestre de Lyon de uma dessas sete Cartas Inéditas,
traduzindo abaixo para o português a correspondência que faz alusão à Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas, onde destaca-se uma nova
informação revelada pelo citado Manuscrito do
Codificador, que grifamos com letra itálica e negrita:
ORIGINAL FRANCÊS
«A
Monsieur le Préfet de Police de la ville de Paris. Monsieur le Préfet: Les
membres fondateurs du Cercle Parisienne des Études Spirites qui
ont sollicité auprès de vous l’autorisation nécessaire pour se constituer
en Société, ont l’honneur de vous prier de vouloir bien leur
permettre des réunions préparatoires en attendant l’obtention de l’autorisation
régulière. J’ai l’honneur d’être avec le plus profond respect, Monsieur le
Préfet, votre très humble et très obéissant serviteur, H. L. D. Rivail dit
Allan Kardec. Rue des Martyrs nº 8.».(6)
TRADUÇÃO AO PORTUGUÊS
«Ao Sr. Prefeito de
Polícia da cidade de Paris. Sr. Prefeito: Os membros fundadores do Círculo
Parisiense de Estudos Espíritas, que solicitaram junto a vós a
autorização necessária para constituir-nos em Sociedade,
temos a honra de pedir-vos que consintais permitir-nos reuniões preparatórias,
enquanto esperamos a autorização regular. Com o mais profundo respeito, Sr.
Prefeito, tenho a honra de ser vosso muito humilde e muito obediente servidor,
H. L. D. Rivail, dito Allan Kardec. Rua dos Mártires nº 8.» (Nossa
tradução.)
COMENTÁRIOS – Note-se, então,
o nome provisório – Cercle Parisienne des Études Spirites –
que Kardec dá ao Círculo Espírita antes de constituir-se
em Sociedade, Grupo que já se reunia todas as terças-feiras à Rua
dos Mártires nº 8 – segundo andar, ao fundo do pátio –, residência
particular de Rivail em Paris, e cujas reuniões ocorriam desde
aproximadamente seis meses antes (1) da
fundação da Société Parisienne des Études Spirites, que aconteceu
em 1º de abril de 1858. A partir da transformação do Cercle emSociété,
esta viria a ter um papel de grande relevância histórica e doutrinária no
Movimento Espírita Nacional e Internacional, como sendo a primeira Sociedade
Espírita constituída do mundo. Por isso concluímos que todo esse importante
Movimento começou com o pioneiroCírculo Parisiense de Estudos Espíritas,
núcleo de vanguarda, também coordenado pelo mestre de Lyon.
Realizando um
sintético histórico dos lugares onde a Société estabeleceu-se
em Paris, Allan Kardec escreve textualmente (1) nas suas
excelentes Œuvres Posthumes: «(...) Então, a Sociedade ficou
regularmente constituída e reunia-se todas as terças-feiras no local que havia
alugado no Palácio Real, galeria Valois. Ali esteve um ano, de 1º de abril de
1858 a 1º de abril de 1859. Não conseguindo permanecer nesse local por mais
tempo, passou a se reunir todas as sextas-feiras em um dos salões do
restaurante Douix, no Palais-Royal, galeria Montpensier, de 1º de abril de 1859
a 1º de abril de 1860, época em que instalou-se num local próprio à Rua e
passagem Santa Ana, nº 59. Formada no princípio por elementos pouco homogêneos
e por pessoas de boa vontade que eram admitidas com demasiada facilidade,
a Sociedade enfrentou numerosas vicissitudes que produziram
não poucos obstáculos penosos à minha tarefa.» [Tradução nossa.] (Ver
também maiores informações na Revista Espírita (RE) de maio de 1858,
artigo X: Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – Fundada em
Paris em 1º de abril de 1858, pág. 148; na RE jan. 1859–VIII:
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – Aviso, pág. 28, juntamente com
a RE mai. 1860–I: Boletim da Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas – Sexta-feira 30 de março de 1860:
sessão particular, pág. 130.) (2)
Outra observação
digna de nota é a importante e corajosa identificação que o eminente Professor
Hippolyte-Léon-Denizard Rivail faz ao assinar a Carta com o
seu ilustre sobrenome e com seu digno pseudônimo respectivamente
(Rivail-Kardec), oferecendo certamente o seu aval de pessoa séria e respeitada
ante a autoridade municipal (Prefeito de Polícia de Paris) e nacional (Ministro
do Interior), especificamente para a abertura daSociedade, na qual
deveriam dispor por lei de uma autorização legal e oficial para o encontro de
um maior número de pessoas das que se reuniam em um Círculo.
CONTEXTO
HISTÓRICO-SOCIAL FRANCÊS DO SÉCULO XIX (3)
Pouco antes da data
em que foi fundada a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas,
um revolucionário nacionalista e conspirador [Encyclopædia Britannica]
italiano chamado Félix Orsini (Meldola [antigo Estado Papal, hoje Itália],
10/12/1819 – Paris, Francia, 13/03/1858), perpetrava um atentado em
14 de Janeiro de 1858 contra a vida de Napoleão III (Paris, 20/04/1808 –
Chislehurst [Kent], Inglaterra, 09/01/1873) que, por pouco, não foi
assassinado, e embora Orsini fosse defendido por Jules Favre (Lyon, Francia,
21/03/1809 – Versailes, 19/01/1880) – célebre advogado e político opositor a
Napoleão III –, foi condenado à pena de morte, sendo executado na guilhotina.
Este episódio provocou a sanção da Lei de Segurança Geral,
que facultava ao Ministro do Interior a transladar ou exilar a qualquer cidadão
francês que fosse reconhecido culpado de conspirar contra a segurança do
Estado. Era uma lei rigorosa, que não se derrogou senão doze anos depois, em
1870. Os tempos então vividos eram de convulsão política; França estava sob a
recente lei de segurança de 19 de fevereiro de 1858, sancionada por
aquele atentado. O estatuto social da Société Parisienne des Études
Spirites (SPEE) devia ser submetido às autoridades (4)sob
este severo regime que, ante as novas idéias, colocariam sua atenção sobre o
objeto e os nomes dos seus componentes.
A respeito disto,
deixemos continuar falando o notável Codificador (1): «(...) Então,
foi necessário obter uma autorização legal, para evitar problemas com as
autoridades. O Sr. Dufaux, que conhecia pessoalmente ao Prefeito de Polícia,
encarregou-se da petição. A autorização dependia também do Ministro do
Interior, que era o general X, quem – sem que o soubéssemos – simpatizava com
nossas idéias, sem conhecê-las completamente; graças à sua influência, a
autorização pôde ser conseguida em quinze dias, que teria levado três meses se
seguisse o trâmite usual. (...)» [Tradução nossa do original francês.]
É importante destacar
que o Sr. Dufaux deu garantias ao Prefeito que a SPEE tinha
caráter apolítico. Por outro lado, o Dicionário Enciclopédico Quillet refere-se
a Felice Orsini como um patriota italiano, deputado na Constituinte de Roma de
1849 que, ao cair a República, se refugiou em Paris. Em 1858 atentou contra
Napoleão III por haver este restabelecido a autoridade do papa nos Estados
Pontifícios. Orsini foi guilhotinado em 13 de março de 1858, isto é, quase
vinte dias antes da fundação da Société Parisienne des Études Spirites.
Eis
a importância e o significado histórico desse inédito documento kardequiano.
Nossas mais sinceras congratulações ao Instituto Canuto Abreu e
ao Conselho Espírita Internacional pela difusão aberta (5) destas
valiosas Cartas (6), que permitem compreender
mais profundamente a rica História do Espiritismo – e do Movimento
Espiritista (7) – para esclarecimento integral das gerações
atuais e futuras.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
(1) KARDEC, Allan. Fondation
de la Société Spirite de Paris, 1er avril 1858. In: ______.Œuvres
Posthumes. Nouvelle édition conforme à la ed. de 1927. 311 pp. Paris:
USFF - Union Spirite Française et Francophone. 2ª parte, p. 231 (§§ 2º e
3º) e p. 232 (parágrafos 1º e 2º).
(2) KARDEC,
Allan. Société Parisienne des Études Spirites, fondée à Paris le 1er avril
1858. In: ______. Revue Spirite: Journal d’Études
Psychologiques. Nouvelle édition. 356 pp. Paris: USFF. Première Année -
Mai 1858. P. 148. Disponível em internet:http://perso.wanadoo.fr/charles.kempf (portal
da USFF).
3) Contexto extraído da nota do
tradutor nº 150 da Revista Espírita: Periódico de Estudios
Psicológicos (Año 1858), de Allan Kardec, traduzida ao espanhol
por EEB diretamente do original francês, Ediciones CEI: Consejo
Espírita Internacional, 2005, pág. XLV. Disponível em: www.feparana.com.br (portal
da FEP).
(4) BARRERA, Florentino. La Sociedad de París.
In: ______. La Sociedad de París:Société
Parisienne des Études Spirites:
1858-1896. 2ª ed. revisada e aumentada, 100 pp., ilus. Buenos Aires: VIDA INFINITA,
2002. P. 14.
(5) HMP Editora. Cartas
Inéditas. Universo Espírita. São Paulo/SP, nov. 2004, nº 15,
p. 43, art. de Macedo Sarra.
6) LA REVISTA ESPÍRITA Nº 6 en
español (Órgano oficial del CEI), com reprodução dos originais franceses
do Manuscrito Inédito de Kardec, cedido gentilmente peloConselho
Espírita Internacional, donde este artigo foi traduzido do castelhano ao
português (com revisão de Regina Baldovino) pelo próprio autor [págs. 18 a 20].
Disponível em: www.spiritist.org (portal do CEI).
7) CEA (Confederación Espiritista Argentina).
Carta Inédita de Allan Kardec. Boletín Informativo CEA. Buenos Aires,
Argentina, set.-nov. 2004, Nº 7, p. 4, com reprodução do original francês de
Kardec, gentilmente cedido pelo CEI.
NOTA DO BLOG:
1- Este artigo foi
publicado em primeiração mão pela revista La Revista Espírita nº 6 (do CEI - Conselho
Espírita Internacional) no primeiro trimestre de
2005, pelo Jornal Mundo Espírita em setembro de
2005 e pela Revista Internacional do Espiritismo (RIE) em março
de 2008.
2- Galeria de Valois, primeiro
endereço da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
AGRADECIMENTO
Uma vez mais, agradecemos ao amigo
Enrique Baldovino por autorizar a publicação deste artigo.
Por ocasião das merecidas comemorações do Bicentenário de Nascimento de Allan Kardec, que teve seu ponto mais alto no IV Congresso Espírita Mundial efetuado em Paris, promovido pelo CEI: Conselho Espírita Internacional e realizado pela USFF: Union Spirite Française et Francophone, de 2 a 5 de outubro de 2004, foram apresentados ali alguns documentos inéditos e pessoais do insigne Codificador, que têm um alto valor histórico e significativo.
2- Galeria de Valois, primeiro endereço da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
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