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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

SUICIDIO EM ITACURUBA 01 : Além da tarja preta / Itacuruba afogada na tristeza

Clipagem 27 de maio de 2007

DIARIO DE PERNAMBUCO

VIDA URBANA


Além da tarja preta / Itacuruba afogada na tristeza

Cresce o uso de remédios controlados no estado. Por trás das pílulas estão pessoas deprimidas

Marcionila Teixeira
Da equipe do Diario
 
http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=856&textCode=8519&date=currentDate


Ao longo de uma semana, a equipe de reportagem do Diario de Pernambuco percorreu 1.300 quilômetros de estradas no interior de Pernambuco em busca de histórias de pessoas que sofrem de depressão. Além da Tarja Preta é uma tentativa inédita de mostrar o que se passa por trás do uso por vezes indiscriminado dos medicamentos controlados no interior do estado. A série de matérias que segue até a próxima terça-feira conta casos de pessoas que têm em comum o fato de morarem em cidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), cuja principal oportunidade de emprego está na prefeitura. O termo tarja preta não pode remeter apenas ao perjorativo "remédio de loucos". Por trás dos comprimidos que podem viciar, estão pessoas em profunda depressão, mal ainda subnotificado no Brasil. Gente sofrida, que precisa de tratamento mental adequado, de mais seriedade nas políticas públicas na área de saúde.

Um olhar diz tudo. Avisa o tamanho de uma dor. Pede até socorro. Basta observar os olhos de Artemísia Paula da Silva, mulher com nome de flor, para ter certeza de que eles falam. O importante é querer ouvi-los. Aos 78 anos, Artemísia é o retrato de duas gerações que convivem numa cidade no mínimo misteriosa. Filha da Velha Itacuruba, município do Sertão pernambucano que hoje está debaixo das águas da Hidroelétrica de Itaparica, viu seu passado se afogar. Hoje se afoga em mágoas nas terras da Nova Itacuruba que a Chesf lhe presenteou. Chora pela idade avançada que lhe tirou a saúde. Chora pela herança frutificada em seu novo habitat: dois filhos alcoólatras e um outro que se matou aos 26 anos. A depressão lhe obriga a tomar tranqüilizantes para dormir. "Ninguém gosta de velho. Só tenho vontade de brigar, de chorar. Às vezes me sinto inutilizada", desabafa.

Cidade pequena, com apenas 3.992 moradores, Itacuruba poderia ser apenas mais um lugar tranqüilo do interior do estado. Não é. Os casos de depressão surgema cada esquina. No mês passado, médicos do Conselho Regional de Medicina (Cremepe) voltaram em caravana ao município para dar início a uma pesquisa que busca desvendar os sentimentos da gente de lá. O psiquiatra Antônio Alves Neto, fiscal do Cremepe, aplicou 63 questionários na cidade, cada um com 20 perguntas sobre sofrimento psíquico. Surpreendeu-se com o que viu. "Percebemos que, deste total, 40 entrevistados apresentaram algum sofrimento mental, o que representa 63% de pessoas ouvidas com sintomas de depressão, entristecimento. Tacaratu, que fica na mesma região, mas que não foi inundada, registrou os sintomas em 47% dos entrevistados, índice bem menor", calcula.

A depressão é um aviso de que algo pior pode estar por vir: os suicídios. Somente este ano, já foram seis tentativas em Itacuruba, de acordo com levantamento do médico José Atayde Alencar, que atende no único Posto de Saúde da Família (PSF) local. "Acho que a ociosidade, a falta de perspectiva de vida e as raízes enterradas na antiga região contribuem para o que acontece aqui. A mulher é a principal vítima. Além de não ter emprego, é obrigada a suportar os altos índices de alcoolismo do marido ou dos filhos", reflete. O vice-prefeito da cidade, Gustavo Cabral, completa: "Os filhos cresceram vendo os pais dentro de casa, sem precisar trabalhar por causa da indenização mensal da Chesf. De certa forma isso pode ter provocado acomodação".

O mais intrigante do pequeno município é que os suicídios já eram registrados com uma certa freqüência na velha cidade, mas tomaram "fôlego" em 1987, coincidentemente um ano após a mudança para a nova Itacuruba. "Fomos pesquisar e descobrimos que em 1949 já havia casos. Daquele ano até 2006, foram 34 episódios de suicídio que conseguimos descobrir em anotações antigas", calcula a secretária municipal de Saúde, Solange Maria de Sá.

O médico Alencar está preocupado. "Temos também muitos registros de casamentos entre parentes que precisam ser avaliados. Isso pode explicar, por exemplo, os casos de esquizofrenia, mal que passa de geração a geração", ressalta.

Passado - Tem dias que Efigênia Alves da Cruz, 40 anos, não quer ver ninguém, não quer conversar. Fica isolada dentro de casa. Os olhos dela parecem até mesmo com os de Artemísia. Atendem a porta sem brilho, sem curiosidade. Baiana, Efigênia conta que entristeceu ao chegar a Itacuruba, onde mora com três filhos. O marido só vem de quinze em quinze dias porque trabalha longe. "Já chorei muito depois que cheguei aqui. Foi mesmo que me jogar num buraco negro. Não tenho para onde sair. Na Bahia eu trabalhava, tinha amigos. Aqui não tenho nada disso. É diferente", conta. Mas a dor de Efigênia aumentou mesmo há um ano. Descobriu que foi traída pelo marido. "Sinto dores de cabeça, fico agitada". Como diria o médico da cidade, Efigênia tenta um suicídio inconsciente a cada dia. "Queria fugir de casa, sem destino. Uma vez tomei muito remédio de uma vez só", confessa.

A Itacuruba com cara de feriado tem pouca gente na rua durante o dia, comércio quase inexistente. De noite, o aspecto é sombrio, com ruas e casas mal-iluminadas. Nada restou da velha cidade, na beira do Rio São Francisco, com terra boa para plantar e fartura na agricultura, lembram os moradores mais velhos. A socióloga Rúbia Lócio, da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), conta que a cidade lembra Custódia, também em Pernambuco, onde ela desenvolveu a dissertação de mestrado. "A cidade não foi inundada, mas o índice de apatia era gritante na época do estudo. Descobri que a população perdeu a fábrica de caroá. Quando não trabalhava na fábrica, o povo vivia da feira, da agricultura. Havia uma dinâmica no lugar. O povo hoje vive da memória do apogeu", compara.

Taxa de suicídio

No Brasil 4,48
No Nordeste é de 3,31
Em Pernambuco é de 3,56
Em Itacuruba há um salto para 26,6

( Levantamento do Cremepe para cada 100 mil habitantes, com base no ano de 2004 )

 

 

Trabalho funcionando como terapia


Uma estrada cortada por riachos, todos eles secos, leva a uma promessa de dias melhores para Itacuruba. São 11 quilômetros do centro do município até Coité, em meio a muitas pedras e à vegetação típica do Sertão nordestino. Caminho tortuoso para se chegar a um princípio de prosperidade num lugar sem perspectiva de emprego. Onde a desocupação leva a maus pensamentos, ao alcoolismo, à depressão. É no final daquele caminho que fica um projeto de piscicultura em tanques-rede. É lá também que está Silanilson Rezende dos Santos, 28 anos, um jovem que estava desempregado há dois anos.

"Durante esse tempo minha esposa é que sustentava a casa. Isso estava acabando com meu casamento", confessa. Silanilson é um dos 100 beneficiados pela criação de tilápia desenvolvida nos últimos oito meses em Coité. O projeto é uma parceira entra a prefeitura e a empresa pernambucana de pescados Netuno, com participação da associação local. Até o fim do ano, serão mais 200 pessoas aproveitadas, como garante o vice-prefeito Gustavo Cabral. Por enquanto, ainda são poucas as mulheres aproveitadas no serviço de piscicultura. Mas o emprego dos homens da cidade significa promessas de mais renda em casa, menos bebedeira, mais prosperidade.

Exportação - O filé do pescado, conta Cabral, é consumido no mercado pernambucano e exportado também para os Estados Unidos e Europa, onde é considerado uma iguaria pelos gourmets internacionais devido ao sabor delicado da carne. "O principal requisito para ganhar o emprego é ser de Itacuruba e alfabetizado. O trabalho consiste em dar ração aos peixes, fazer a despesca, observar se os peixes vão bem de saúde, além de transferir os animais de um tanque para o outro".

Um salário mínimo e carteira assinada. O sonho se realizou, mas não através de um emprego na prefeitura, desejo maior dos moradores do interior nordestino. Joilke Pereira de Souza, 22, viu nas águas da nova cidade a vida mudar para melhor. Hoje alimenta os peixes e virou também o principal provedor da família, formada pela mulher e um filho de um ano. Não tem mais motivo para tristeza. Não tem mais tempo de ver a vida passar sem ter nada para fazer.
A vila da saudade
Numa agrovila de Petrolândia, cerca de 16% da população utiliza medicação controlada
Na área rural de Petrolândia, distante 32 quilômetros do centro de uma cidade tomada por 27.320 habitantes, a Agrovila 4 ganhou fama. Se não fosse pelo olhar atento das equipes de saúde da família, o vilarejo típico do Sertão não passaria de uma agrovila comum. São 450 famílias espalhadas em pequenas casas com suas indefectíveis cercas artesanais. Um levantamento mostrou que eram mais de 200 membros dessas mesmas famílias utilizando medicação controlada, ou seja, 16% dessa população. Antidepressivos e tranqüilizantes que em mais de 90% das ocasiões iam parar nas mãos das mulheres do lugar. Mãos acostumadas com o trabalho duro na roça, mas que não resistem à crueldade da violência doméstica, da traição, da perda.

Maria Quintina Santos da Silva, 47 anos, está profundamente triste. No dia 1º de abril perdeu a melhor amiga, uma confidente, mais que uma mãe. Não se conforma. Toma três tipos de tranqüilizantes e não encontra a paz.

A intimidade de Quintina dói na alma. A história de suas grandes perdas começou em 1993. Naquele ano, ela foi surpreendida pela morte precoce de um sobrinho muito querido que se matou. Três irmãos dele também já foram assassinados de lá para cá. Por um tempo, chegou a perder o marido para uma mulher mais jovem. "Tenho muita lembrança do povo que morreu. As pessoas desaparecem. Não tenho mais ninguém de confiança para conversar", desabafa.

O levantamento feito na Agrovila 4 mostrou também que muita medicação estava tomando o rumo errado. "Havia gente pegando os tranqüilizantes para guardar em casa e usar na hora da insônia ou mesmo para misturar com bebida", lembra Joane Barbosa, enfermeira que atua no lugar.

Depois dos acertos levados à frente pela equipe de saúde, o número de pacientes cadastrados para receber medicação controlada caiu para a metade: de 200 passou para 100, mas ainda é considerado alto. "Agora as pessoas precisam se submeter a uma consulta por mês para receber a receita. Antes o remédio era liberado com a apresentação de um cartão, que era carimbado e voltava para o paciente. A receita nós retemos", explica Joane. As agentes de saúde da Agrovila 4, dizem que há quatro anos o Diazepan era novidade no lugar. Hoje tem uma grande saída no posto.

O agricultor Leônidas Pedro de Lisboa, 54, conversa sério, de cabeça baixa. O sorriso só chega quando a filha de 25 anos faz um afago. Parte dessa filha foi embora, afogada, há 17 anos. Ainda era uma criança. Leônidas não esqueceu mais a dor. Já a foto das duas filhas gêmeas ficou esquecida em cima do guarda-roupa da família. Empoeirada. Melhor não olhar. "Tô com muito cansaço nas pernas. Não tô prestando para nada hoje. Fui na roça a pulso. Sinto muita tristeza. Faço meio mundo de exame e então me acalmo. Os médicos dizem que é depressão. Tô assim desde que minha filha se foi", atesta.

Cremepe - O mesmo questionário com sete perguntas sobre sofrimento mental aplicado pelo Cremepe em um município foi aplicado no outro. A surpresa com os resultados foi semelhante. Em Petrolândia, dos 57 entrevistados, 39 apresentaram sofrimento mental, o que significa 68% da população ouvida. Ainda segundo o Cremepe, em 2003 a taxa de suicídio por 100 mil habitantes na cidade chegou a 6,89, quando a média do estado foi de 3,64.

O próprio assessor da Secretaria Municipal de Saúde, Rogério Brilhante, reconhece que os números de depressão e suicídio na cidade ainda são subnotificados. Num levantamento feito por Brilhante entre 1998 e 2007 foram contabilizados 16 suicídios, sendo que houve intensificação das investigações somente a partir de 2004, exatamente quando foi registrado o maior número de episódios.
Imagens que ficaram no passado
Quando as águas da barragem de Itaparica tomaram conta do Vale do Médio São Francisco, represando as águas do Velho Chico, muito pouco ficou de pé nas cidades baianas e pernambucanas inundadas. A igreja católica de Petrolândia parecia querer resistir, mas em três anos desabou nas águas. Junto com ela, foram embora as imagens de um passado. A torre da igrejinha de Barreiras ainda reluta até hoje contra uma "morte" que se faz certeira, a cada dia que passa. A cena do templo ao longe dá um certo arrepio. Impossível negar o misticismo da história. Muita gente até hoje se reúne na Nova Petrolândia para ver as cenas gravadas no dia da mudança definitiva. Gostam de ser ver quando tinham vinte anos a menos de idade.

No início eram 10 mil famílias de frente com as novidades de viver num outro lugar. Pela primeira vez, muitas pessoas ganharam casas de alvenaria e ruas com saneamento básico. Como indenização acordada entre a Chesf e o pólo sindical da região, a Companhia Hidroelétrica deu início a um pagamento avaliadoem dois salários mínimos e meio. Com o tempo e com o sobe e desce da inflação, o objeto do acordo mudou para cestas básicas e, desde 2000, o pólo sindical quer mudar o mesmo para o valor pago anteriormente, mas sem sucesso. 

Ainda faltam psiquiatras
Fatores sociais como desemprego, violência e estresse não são os únicos culpados pelo aumento no número de casos de depressão no interior pernambucano. A mudança de atitude médica perante o paciente também deve ser levada em conta. O psiquiatra Lindemberg Macedo, coordenador de Saúde Mental de Canhotinho e Garanhuns ressalta que há três décadas, o que contava para o diagnóstico da depressão era a idade. "Os psiquiatras consideravam que pessoas com menos de trinta anos não tinham depressão.

A psiquiatra Jane Lemos, que foi gerente de Saúde Mental no estado, reconhece o aumento no uso de antidepressivos. "Esse medicamento passou a ser mais usado nos últimos dez anos porque a ciência já reconhece que esse tipo de remédio não causa dependência, ao contrário dos tranqüilizantes". Jane Lemos lembra, no entanto, que há déficit de psiquiatras no estado. "Por isso, antes de chegarem ao médico especialista em depressão, os pacientes já ingeriram vários medicamentos receitados por clínicos. 

O que é um transtorno depressivo?
Um transtorno depressivo é uma doença que envolve o corpo, o humor e os pensamentos. Ele afeta a maneira da pessoa se alimentar, dormir, como ela se sente em relação a si própria e como se pensa sobre as coisas. Um transtorno depressivo não é o mesmo que tristeza passageira. As pessoas com uma doença depressiva não podem simplesmente se acalmar e melhorar. Sem tratamento, os sintomas podem durar semanas, meses ou anos. Um tratamento apropriado, porém, pode ajudar muitas pessoas que sofrem de depressão.

Sintomas de depressão

Humor persistentemente triste, ansioso ou vazio

Sentimentos de desespero, pessimismo

Sentimentos de culpa, desvalia, impotência

Perda do interesse ou prazer em atividades que eram anteriormente apreciadas, incluindo sexo

Energia diminuída, fadiga, ficar devagar

Dificuldade de se concentrar, recordar, tomar decisões

Insônia, despertar precoce ou dormir demais

Perda de apetite e\ou peso ou comer demais e ganho de peso

Pensamentos de morte ou suicídio; tentativasde suicídio

Inquietação, irritabilidade

Sintomas físicos persistentes que não respondem ao tratamento, como cefaléias, transtornos digestivos e dores crônicas

FONTE: Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)

          

PARA ENTENDER ESTA HISTÓRIA

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